domingo, 23 de janeiro de 2011

Série

Desconfio que não sou uma
sou várias
identidades que se cruzam
se misturam
orgânicas
feminino
masculino
mulher
homem
não sou boa nem má
santa, nem diaba
sou iansã
sou iemanjá
sou ogum
água, fogo, ar...
iaiá...

Louise Bourgeois

Louise Bourgeois, 71 anos, com um pênis de látex e gesso debaixo do braço, 1982.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Batom que cala

Boca

La boca

territórios

entradas

saídas

palavras

línguas

sexos

fluxos

identidade?

identidades?

Calo-te agora

Verbalizas teu pranto

Tantos batons te pintaram

Tantos espelhos te olharam

Tantas bocas te beijaram

Tantas vezes estavas aberta

Sempre aberta…

Passagem certa...

Cega…

Agora cala-te.

Ouço melhor o teu fino grito.

O batom vermelho esteve sempre ali

a pintar-te por inteira…

Ele sempre estave ali

procurando-te...

Limites de tuas fronteiras.

Já é hora,

cala-te!

O teu vermelho

já não pertence mais a minha boca.

Dantes te enfeitavas,

agora vens comigo,

alimentas minha fome,

preenches o meu tempo.

tempo perdido

tempo roubado

tempo maquiado

vens...

e procuras sedento…

outros territórios…

outros planos

outras realidades…

Ficar distante de si mesmo.

Ser o outro, ver o outro

e avermelhar-se

de dor e de paixão.






Uma boca fechada é pintada de batom vermelho. O batom é passado repetidamente na boca. Uma cena simples, corriqueira. Uma mão feminina pinta a própria boca. Mas parece que falta algo neste gesto tão banal. Não abre-se a boca. Ela fica calada durante todo o tempo em que é pintada repetidamente. Num primeiro instante o batom manter-se dentro da área permitida, nos lábios, mas poucos segundos depois já ultrapassa fronteiras deste território.

Virgem vermelha

Virgem vermelha é um trabalho em que pretende questionar o lugar que a mulher ocupa dentro dos sistemas religiosos.


As religiões tendem muitas vezes, com o passar do tempo a sacralizar os sistemas dominantes. No Cristianismo construiu-se o mito em que Deus tira a mulher do corpo de homem, especificamente de uma costela. O homem então teve a capacidade de parir a mulher e não o contrário, como em culturas anteriores, em que a capacidade natural das mulheres parirem dava às mulheres um carácter sagrado. A mulher então, no cristianismo é seduzida pela serpente e induz o homem a comer o fruto do conhecimento do bem e do mal que fora proibida por Deus sob pena de morte. E por isso são punidos e expulsos do paraíso. Assim a mulher passa a ser ao mesmo tempo desprezada e temida por ser a causa dessa tragédia. Daí para sempre a mulher ocidental vai carregar essa culpa, principalmente na área da sexualidade. Ela vai ser considerada a tentadora, a culpada de todos os males, aquela qeu perturba a relação do homem com a transcendência. Ela é a sedutora, a desestabilizadora do homem e do poder. (Rose Maria Murano, 1990)


Desta forma todo um lado de paixão, sedução, sensualidade foi durante muito tempo reprimido nas mulheres, contribuindo para a construção de um subconsciente feminino que ainda persiste nos dias de hoje. Maria, mãe de Jesus representa o contrário desse arquétipo, ou seja, a bondade, o amor materno, a virgindade, a pureza.


A virgem vermelha proporciona visualmente um encontro com os contrários, o bem e o mal, a pureza e a sedução, a inocência e a sensualidade etc. Opostos estes que, diferente do que se pensa commumente, se complementam no arquétipo feminino inicial e não se contradizem. No processo de formação da civilização patriarcal estas características separaram-se e as pessoas são regidas por dualidades, partindo da principal delas, a sexualidade masculina e feminina.

Mulher brasileira no banheiro




Esta acção "Mulher brasileira no banheiro" fez parte do evento "Manifesta, Festival das Artes", um movimento coletivo de jovens artistas que ocorreu no Theatro José de Alencar, envolvendo mais de 200 artistas de todas as liguagens e expressões, em uma única noite, numa maratona cultural de 18 às 6 horas da manhã do dia 18 de setembro de 2010, em Fortaleza, Brasil.


"Mulher brasileira no banheiro" é um prolongamento da acção "Carimbada". Acontece no banheiro das mulheres e dos homens do teatro. Tudo acontece por aproximadamente quarenta minutos. Entro no banheiro e inicio a performance carimbando todo o meu corpo ao olhar para o grande espelho do banheiro, o que depois é todo marcado pelo carimbo. Finalizo a acção passando batom vermelho nos meus lábios e beijando o espelho por alguns minutos.


Ocorreu uma interacção com as pessoas que entravam naqueles espaços. Algumas mulheres pediram para serem marcadas, outras perguntavam o que eu queria dizer com aquilo, enquanto outras olhavam sem interesse. Escrevi a palavra "boa" no espelho com batom, adjectivo este bastante utilizado no Brasil para as mulheres, tanto em comerciais televisivos, como corriqueiramente nas ruas. Esta é uma das muitas maneiras que contribuem para a referencia ao corpo da mulher como objecto sexual de posse masculina.


No banheiro dos homens houve uma quebra maior de acções corriqueiras e habituais. Primeiro eu como mulher naquele ambiente já chamava muita atenção, depois o fato de carimbar "mulher brasileira" no espelho em que se olhavam somente homens. Um rapaz indagou "Se fosse um homem entrando no banheiro das mulheres era lixado, mas você meu amor pode ficar aqui...". Eu falei "claro, sou uma mulher brasileira muito boa e gostosa por isso posso." Com minha resposta tive o objectivo de ironizar aquele comentário tipicamente masculino.


Penso que com este trabalho pude questionar as construções sociais de género na sociedade. Ao entrar em lugares inadequados para o meu corpo, como também ao agir de maneira inesperada, pude contribuir talvez para uma quebra de paradigmas na sociedade em que vivemos.


A performance também interagiu, como também complementou-se, com a intervenção da artista plástica Bartira Albuquerque, que fixou na porta dos banheiros a pergunta "O que é ser homem?".

Carimbada




Esta performance foi realizada em 2010 na cidade de Fortaleza, no Brasil, no "Seminário Internacional Arte Pública Relacional como Prática Social", ocorrido nos dias 23 a 28 de agosto.


O trabalho consistiu em andar por um espaço público e aos poucos se auto carimbar com o nome "Mulher brasileira". Depois de carimbar-se toda, olhando para um espelho que retiro da bolsa, passo exacerbadamente um batom vermelho nos lábios e nas partes íntimas, seios, vagina e bunda (sobre a roupa). O trabalho teve duração de uma hora aproximadamente.


No percurso da ação ocorreu interacção com público que ocupava aquele mesmo espaço. Na praça estava acontecendo o evento que reunia artistas interventores, músicos, pesquisadores, artesãos, moradores do bairro e o público em geral. Desta forma penso que a reacção daquelas pessoas estava directamente ligada ao perfil das pessoas que estavam ali naquele momento, ou seja, não era um púbico comum, tinham suas especificidades, eram parte de um mesmo nicho social.


Inicio a acção agindo como uma simples participante do evento e, conversando com amigos, começo a marcar o meu próprio corpo. É então que me despeço daquele grupo e começo a percorrer a praça parando em alguns momentos para marcar-me mais um pouco. Sento no chão, no meio da praça, e marco todas as minhas pernas. Depois, em outro momento, marco os meus braços. Foi então que comecei a pedir para que as pessoas me carimbassem em lugares que eu não podia ver, como nas costas. Depois começo a levantar a roupa para carimbar as partes íntimas do meu corpo. Percebi que neste momento comecei a chamar mais atenção. Marco as partes íntimas da frente por cima das peças íntimas que usava. Depois começo a interagir com homens que passavam por mim oferecendo-lhes o carimbo para que marcassem a minha bunda. Depois de cerca de uma hora, no meio da praça, finalizo o trabalho retirando um espelho e um batom vermelho da bolsa. Paço por cerca de cinco minutos o batom na boca e por volta dela e depois marco minhas partes íntimas com ele.


A acção gerou vários tipos de reacções, desde olhares desconfiados, até pessoas que parabenizaram o trabalho. Um rapaz homossexual pediu que eu o carimbasse sua bunda. Uma moça soltou palavras como "é isso aí, mulher é só bunda, só carne", parecia que ironizava. Outras mulheres pediram para ser marcadas com o carimbo e saiam dizendo "sou sim, muito brasileira". Homens também pediam para serem carimbados. Muitos me pediram explicação para tudo aquilo, eu ficava calada na maioria das vezes, sabia que só a acção já falava muito, as palavras não faziam parte da obra, meu corpo e o que eu fazia já falava muito.


Através desta acção tento materializar um sentimento que tenho com relação a mulher brasileira dentro e fora de seu país de origem. Assim utilizo o carimbo como objecto que taxa e marca outros corpos como a si mesmo. O batom vermelho traz um símbolo de beleza, sensualidade, mas também de dor. O espelho participa da obra não como objecto que intensifica a formação do ego deste modelo de mulher construído socialmente, mas como testemunha de um auto reconhecimento desta mulher marcada e estereotipada, abrindo possibilidades de processos de resignificação de identidades.



Corpos em fluxos


Corpos que constroem narrativas humanas quando transportados espacialmente no globo terrestre. Com o avanço das tecnologias o mundo parece menor, consegue-se facilmente transportar-se em espaços geograficamente de grandes distancias. Com isso abriu-se mais possibilidades de encontros, um transito de influencias culturais intensificou-se, mas ao mesmo tempo particularidades identitárias fortificaram-se.

É girando em torno destas questões que este trabalho apresenta 20 imagens produzidas a partir de fusões de maneira intuitiva e experimental. O trabalho centra-se na ideia de corpos mapeados, corpos com referencias identitárias, que com o processo de deslocamento sofrem transmutações e ao mesmo tempo consciência de si próprio no tempo e no espaço.

Para focalizar o tema de estudo, utiliza-se o corpo especifico da mulher, um corpo particular. Tenta-se através das imagens esmiuçar o universo feminino e suas peculiaridades. Mais ainda, um corpo nu em seus pormenores que parece sem identidade alguma, que com o processo experimental ganha referências histórico-socio-culturais. Tais referencias tentam evocar, como na metáfora de um espelho, como eles se vêem e como são vistos, e por fim mapeados ou como podem vir a ser mapeados.

"Mulher Navio Negreiro", Tom Zé

“(...) Mulher – Divino Luxo – Navio Negreiro

Graal – Puro Cristal – Desespero

Rosa-robô – Cachorrinho – Tesouro,

Ninguém suspeita dor neste ideal,

A dor ninguém suspeita imperial.

Eucaristia – Ascensão – Desgraça,

Filé-mignon – Púbis, Traseiro – Alcatra,

Banca de Revista – Açougue Informal – Plena Praça,

Ninguém suspeita dor neste ideal,

A dor ninguém suspeita imperial (...)”

“Corpos mapeados”: Uma proposta de desterritorialização do corpo feminino brasileiro no imaginário português

O conhecimento desta pesquisa será obtido a partir da prática experimental, sendo portanto, dentro das classificações oferecidas pelo mestrado de design da imagem, uma Pesquisa por Projecto.


Através da experiência da pesquisadora e diante da imagem que é produzida acerca da mulher brasileira historicamente e actualmente pelos media, pretende-se fazer um trabalho de resignificação dessas identidades femininas. Para isso, depois de um apurado diagnóstico por meio de pesquisa bibliográfica e iconográfica, o estudo se delineará através da produção experimental de imagens, utilizando os mais diversos meios de expressão, como fotografia digital, intervenção urbana, vídeo, performance etc.


Todo corpo carrega identidades que o mapeia. Corpos mapeados que trazem referencias, memorias e simbologias. No embate com outros universos referenciais, estas identidades afloram e ganham vida, se fortificam. Neste processo de tomada de consciência de si mesmos, descobrem-se como se é visto pelo outro, através dos chamados estereótipos. Na maioria das vezes estas visões rotulam as pessoas em vez de as aproximar.


Com este estudo pretende-se discutir estas questões e construir uma “corpografia” da mulher brasileira, ou seja, desconstruir e propor novas referências deste universo imaginado que interfere na vida quotidiana de muitas brasileiras que vivem em Portugal.